Quando entrou no vagão seu olhar cruzou o meu por um instante e logo correu o pequeno espaço a procurar por um cantinho para se encostar.
Hoje ela estava com sapatilhas cor-de-pele, cabelos soltos e um pouco úmidos.
Não tinha mais a expressão cansada do dia anterior, certamente havia dormido cedo.
Já estava, como de costume, com os fones no ouvido. Era comum que ela desse umas sacudidas durante a viagem, provavelmente conforme o ritmo das musicas.
Nos dias em que estava mais alegre, cantarolava baixinho as letras, em alguma outra língua de parte do ocidente ou em um inglês muitíssimo mal interpretado.
Eu também sempre estava com meus fones no ouvido. Não que a música me impulsionasse especialmente ou mudasse o meu dia, mas era sempre um tédio aquela rotina sem uma trilha sonora.
Eu morria de curiosidade para saber que tipo de coisas ela ouvia.
Ela também devia ter essa curiosidade quanto a mim, e mal sabia que do meu par de fones, apenas um funcionava.
A gente vive trocando olhares, intimidades à parte.
Já a conheço tão bem que posso afirmar com precisão que ela nunca conseguiu ler um livro até o final.
Ok, talvez ela tenha lido.
Mas nunca teve concentração suficiente para ler até a estação final.
Talvez ela tivesse aquelas coisas que as pessoas têm quando passam mal em algum transporte, enjôo ou coisa do tipo.
Ela desistiu há algum tempo de ler, provavelmente nunca tenha lido por prazer mesmo.
Ontem carregava na mão direita uma coisa especialmente inédita: um copo reciclável com algumas balas de goma. Vire-mexe lembrava-se das balas e pegava uma sortida para saborear.
Quando ficavam muito tempo esquecidas, ela fechava os olhos e parecia entrar em transe.
Sempre que podia, sentava na janela. Parecia querer encontrar alguma coisa nova na velha paisagem gasta e a maior parte do tempo, baldia. Ou apenas encontrar meu reflexo no vidro.
Hoje eu cedi meu lugar pra ela, estava cheia de malas e livros e coisas que pareciam atrapalhar a passagem.
Dei um sorriso e ela correspondeu.
Talvez amanhã eu sorria novamente.
domingo, março 16
"Os lugares que conhecemos não pertencem tampouco ao mundo do espaço, onde os situamos para maior facilidade. Não eram mais que uma delgada fatia no meio de impressões contíguas que formavam a nossa vida de então; a recordação de certa imagem não é senão saudade de certo instante; e as casas, os caminhos, as avenidas são fugitivos, infelizmente, como os anos."
(Proust)
"Pensou: 'Muito barulho à toa, por nada. Por nada'. Essa vida era–lhe dada à toa, ele não era nada e, no entanto, não mudaria mais. Estava formado. Tirou os sapatos e ficou imóvel, sentado no braço da poltrona, um sapato na mão. Sentia ainda no fundo da garganta o calor adocicado do rum. Bocejou. O dia estava acabado e acabava sua mocidade. Morais comprovadas já lhe ofereciam seus serviços. O epicurismo¹ desabusado, a indulgência² sorridente, a resignação, a seriedade de espírito, o estoicismo³, tudo isso que permite apreciar, minuto por minuto, como bom conhecedor, uma vida malograda. Tirou o paletó, pôs–se a desfazer o nó da gravata. Repetia bocejando: – Não tem dúvida, não tem dúvida, estou na idade da razão”
(Sartre)
¹ epicurismo: a doutrina, a forma de viver ou de proceder daqueles que só procuram o prazer; sensualidade; desregramento de costumes.
² indulgência: clemência; condescendência, tolerância; remissão das penas relativas aos pecados; perdão.
³ estoicismo: doutrina filosófica de Zenão que pretendia tornar o homem insensível a todos os males físicos e morais.
“Olhais para o alto, quando aspirais por elevação. E eu olho para baixo, porque estou elevado. Quem de vós pode ao mesmo tempo rir e estar elevado? Aquele que galga as mais altas montanhas ri de todas as tragédias lúdicas e de todas as tragédias sérias.”
(Nietzsche)
Nota: Homenagem à descoberta milionária de uma coleção de livros dos maiores pensadores. Aqui, todos ao meu alcance.
(Proust)
"Pensou: 'Muito barulho à toa, por nada. Por nada'. Essa vida era–lhe dada à toa, ele não era nada e, no entanto, não mudaria mais. Estava formado. Tirou os sapatos e ficou imóvel, sentado no braço da poltrona, um sapato na mão. Sentia ainda no fundo da garganta o calor adocicado do rum. Bocejou. O dia estava acabado e acabava sua mocidade. Morais comprovadas já lhe ofereciam seus serviços. O epicurismo¹ desabusado, a indulgência² sorridente, a resignação, a seriedade de espírito, o estoicismo³, tudo isso que permite apreciar, minuto por minuto, como bom conhecedor, uma vida malograda. Tirou o paletó, pôs–se a desfazer o nó da gravata. Repetia bocejando: – Não tem dúvida, não tem dúvida, estou na idade da razão”
(Sartre)
¹ epicurismo: a doutrina, a forma de viver ou de proceder daqueles que só procuram o prazer; sensualidade; desregramento de costumes.
² indulgência: clemência; condescendência, tolerância; remissão das penas relativas aos pecados; perdão.
³ estoicismo: doutrina filosófica de Zenão que pretendia tornar o homem insensível a todos os males físicos e morais.
“Olhais para o alto, quando aspirais por elevação. E eu olho para baixo, porque estou elevado. Quem de vós pode ao mesmo tempo rir e estar elevado? Aquele que galga as mais altas montanhas ri de todas as tragédias lúdicas e de todas as tragédias sérias.”
(Nietzsche)
Nota: Homenagem à descoberta milionária de uma coleção de livros dos maiores pensadores. Aqui, todos ao meu alcance.
sexta-feira, março 14
Comida
Eu comia, comia e comia.
E só crescia, crescia e crescia.
Minha vida vazia, vazia e vazia.
Minha barriga enchia, enchia e enchia.
E eu comia, comia e comia.
Com grande agonia, agonia e agonia.
Pq comer é ousadia, ousadia e ousadia.
Se eu tomar um sorvete(pensativa)
Será q me lambuzaria?
E se comece um peru(pensativa)
Minha bochecha explodiria?
Enfim sou uma gordinha de extrema alegria
E nem as magrelas desse mundo me tiram a garantia
De ser feliz comendo queijo em fatia
=)
informações >>
Lasanha
sábado, março 8
''... Porque a opressão depende de quem a recebe. Como quando uma moça libanesa foi indagada sobre o véu e disse que realmente ser obrigada era chato sim, e que usava por outro motivo. Porque gostava de se mostrar inteira apenas a quem realmente merecesse. E que triste eram as ocidentais, se escondendo o tempo todo, dentro e fora de casa, atrás de maquiagens e plásticas..."
Papel manteiga para embrulhar segredos- Cristiane Lisboa
Feliz dia da Mulher
Papel manteiga para embrulhar segredos- Cristiane Lisboa
Feliz dia da Mulher
quarta-feira, março 5
sábado, março 1
Sem título. Odeio títulos.
ela esqueceu das cores que ele gostava mais.
pegou um papel pra pintar de branco seus pensamentos.
ela usa o branco p/ q dps nao consiga ver mais nda doq fez.
desceu.
foi ateh a varanda.
olhou pro lado direito.
olhou pra cima.
olhou pro lado direito.
deu um passo.
subiu a escada cinza devagar.
sentia frio.
sentia calor.
nao sentia nda.
seus dedos não transmitiam nenhuma sensação.
olhou pra suas mãos.
seus dedos compridos e suas unhas roidas nao podiam nem machuca-la.
se eles ao menos pudessem machuca-la.
pra ela ver que qlqr dor nao era maior que a que ela havia sentido qndo ele saiu.
havia um canto.
o resto nao havia.
havia restos.
havia imperfeição.
uma perfeita imperfeição.
tão perfeita qnto aquele canto cor de rosa.
e ela caminhou na mesma direção.
e encostou-se, e arrastou-se, e ajoelhou-se.
e levantou-se.
e encostou-se, e deslizou pelas paredes sem cor.
então abraçou-se.
e chorou.
chorou-se.
e secou.
secou-se.
e não havia mais oq chorar.
entao sorriu.
e levantou-se.
e abriu a janela invisivel do canto que ja nao tinha mais cor.
e fechou.
o sangue escorria pelo seu rosto, como se fosse gotas de orvalho da rosa branca que murchou.
olhou para cima.
e ali estava mais uma vez.
sem saber.
sem sentir.
sem pensar.
sem dizer.
sem viver.
nao vivia.
nem ao menos sobrevivia.
apenas existia.
e existiu.
e esqueceu-se.
e foi esquecida.
e lembrou doq havia de esquecer por alguns anos mais.
e chorou.
chorou mais.
não qria deixar de chorar.
e qria deixar de estar ali.
não qria que ngm a visse.
e sofria, pq as paredes a viam.
qria morrer, sem nenhuma cor que pudesse tornar akilo mais afavel.
entao morreu-se.
e pode entao nao sofrer mais.
desenterrado de 2005.
pegou um papel pra pintar de branco seus pensamentos.
ela usa o branco p/ q dps nao consiga ver mais nda doq fez.
desceu.
foi ateh a varanda.
olhou pro lado direito.
olhou pra cima.
olhou pro lado direito.
deu um passo.
subiu a escada cinza devagar.
sentia frio.
sentia calor.
nao sentia nda.
seus dedos não transmitiam nenhuma sensação.
olhou pra suas mãos.
seus dedos compridos e suas unhas roidas nao podiam nem machuca-la.
se eles ao menos pudessem machuca-la.
pra ela ver que qlqr dor nao era maior que a que ela havia sentido qndo ele saiu.
havia um canto.
o resto nao havia.
havia restos.
havia imperfeição.
uma perfeita imperfeição.
tão perfeita qnto aquele canto cor de rosa.
e ela caminhou na mesma direção.
e encostou-se, e arrastou-se, e ajoelhou-se.
e levantou-se.
e encostou-se, e deslizou pelas paredes sem cor.
então abraçou-se.
e chorou.
chorou-se.
e secou.
secou-se.
e não havia mais oq chorar.
entao sorriu.
e levantou-se.
e abriu a janela invisivel do canto que ja nao tinha mais cor.
e fechou.
o sangue escorria pelo seu rosto, como se fosse gotas de orvalho da rosa branca que murchou.
olhou para cima.
e ali estava mais uma vez.
sem saber.
sem sentir.
sem pensar.
sem dizer.
sem viver.
nao vivia.
nem ao menos sobrevivia.
apenas existia.
e existiu.
e esqueceu-se.
e foi esquecida.
e lembrou doq havia de esquecer por alguns anos mais.
e chorou.
chorou mais.
não qria deixar de chorar.
e qria deixar de estar ali.
não qria que ngm a visse.
e sofria, pq as paredes a viam.
qria morrer, sem nenhuma cor que pudesse tornar akilo mais afavel.
entao morreu-se.
e pode entao nao sofrer mais.
desenterrado de 2005.
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